A confiança precisa da incerteza
Ao longo da vida, vamos construindo histórias de desamor e de falta de confiança, muitas vezes baseadas em pequenas experiências na infância ou na adolescência, seja em função de uma educação parental muito autoritária e crítica, seja por uma experiência escolar interpretada como sendo de insucesso ou de um qualquer «falhanço» a outro nível, que não ficou resolvido num determinado momento da vida. E, em função disto, vamos construindo ideias, crenças e convicções que generalizamos para outros momentos e contextos da vida. Ficamos agarrados a histórias de insucesso sucessivas muitas vezes em função de apenas uma experiência negativa, ou porque alguém nos disse algum dia que não seriamos capazes de fazer algo. Todos nós temos na nossa história de vida, alguma experiência menos positiva da qual tiramos ilações para tudo o resto. Se pensarmos bem, a imagem que temos hoje de nós, do mundo e dos outros, é muitas vezes o resultado do que vivemos há anos, e que nada nos conta sobre nós, sobre o que nos rodeia ou sobre as circunstâncias que hoje vivemos. Não é por não termos conseguido alguma coisa no passado que não o vamos conseguir hoje ou amanhã; não é por termos tido uma história de desamor no passado que não podemos aprender a amar no presente ou no futuro; não é por sentirmos que fomos traídos no passado que vamos continuar a ter relações com o mesmo padrão para sempre; não é por termos tido experiências escolares nem sempre interpretadas como suficientes ou boas que não vamos conseguir construir a vida profissional que desejamos. Aquilo que cada um vai fazer ou escolher fazer com aquilo que está a viver neste momento estará amplamente relacionado com aquilo que acredita que é ou não capaz de fazer agora e a partir daqui.
O desafio que lhe lanço é que questione tudo aquilo que de mais tóxico e gerador de falta de confiança tem na sua vida. Acredito profundamente que todos, mesmo todos, temos recursos ilimitados dentro de nós, e que todos, mesmo todos, somos capazes de resolver as situações mais complexas, difíceis e causadoras de algum tipo de incerteza. O futuro sempre foi incerto e a incerteza faz parte da vida. Cabe a cada um de nós reconstruir a forma como vivemos o momento presente e como percecionamos o futuro. Isto faz-se levando a atenção e o foco para aquilo que queremos lá à frente, mas com a certeza de que é no agora que construímos e desenvolvemos os recursos, competências e criatividade necessárias para encontramos as soluções de que precisamos. Os desvios e as pedras no caminho vão continuar a surgir, mas podemos aprender que temos dentro de nós os recursos necessários para os resolver, e continuarmos em função do que queremos e acreditamos que merecemos.
Acredito que, na realidade, ninguém sabe verdadeiramente do que é capaz. Como saber? Escolhendo, fazendo e vivendo. Lembre-se, se teve a sensação de insucesso ou de incapacidade em algum momento da sua vida, isso não significa que hoje seja incapaz ou que não consiga ter sucesso e resolver os seus desafios. Estimule a flexibilidade e a criatividade.
A criatividade não é uma dimensão muito valorizada na nossa cultura. Somos programados para pensar de uma determinada forma, para fazer de uma determinada maneira e, no fundo, sentimos que somos valorizados quando fazemos como os outros fazem, apenas de uma forma mais aprimorada ou requintada. Como um todo, valorizamos pouco a diferença, valorizamos pouco a criação «fora da caixa», dos parâmetros, das linhas desenhadas pela sociedade. Tendemos para a norma e a norma é tudo menos criativa. Somos pouco estimulados a pensar diferente, a fazer diferente ou apenas a fazer como achamos que faz sentido para nós. Mas é aqui que nasce o pensamento criativo e a flexibilidade mental, competências tão importantes para a criação de saúde mental e para a resolução de problemas.
Se pensarmos um pouco em todos os momentos de crise ao longo da História, vamos perceber que foram os mais criativos e os que fizeram aquilo que mais ninguém fez que conseguiram alcançar grandes feitos, recomeçando de forma eficaz e feliz. Mais do que nunca, é isto que todos precisamos neste momento. É fundamental que cada um de nós se permita pensar «fora da sua caixa», ir para além daquilo que já fez, do que já idealizou ou do que acredita que é capaz de fazer. É este o momento em que somos convidados a liderar a nossa vida, as nossas escolhas e a reconstruir o caminho da forma mais construtiva possível. É agora que precisamos de nos sentar, escrever, redesenhar e agir em função daquilo que queremos e daquilo que precisamos de forma criativa. Muitas vezes, associamos a criatividade aos artistas e às obras de arte, mas a criatividade é também uma fonte de vida. É através dela que conseguimos evoluir, fazer diferente e fazer a diferença, repensar rotas, repensar formas de perspetivar o mundo e de o reconstruir. Precisamos de desafiar os nossos limites se não queremos ser engolidos pelo momento e ficar suspensos à espera de que o vento nos leve em alguma direção. E para que isto aconteça, precisamos de desafiar o nosso sistema de crenças, aquilo que tínhamos como certo e garantido, de recriar a identidade pessoal e do mundo em que vivemos. Quando estamos exclusivamente focados no problema e não conseguimos ver nada para além dele, não só não o conseguirmos resolver como vamos criar mais frustração, desânimo, resistência, dor, doença e ausência de recursos e estratégias. Pensar para lá da visão que tínhamos do tempo, do previsível, do seguro, da incerteza, do trabalho, da forma como vivíamos, é um dos grandes desafios do momento. A nossa maior grandeza não é alcançar aquilo que julgávamos conseguir atingir, mas alcançar aquilo que julgávamos um dia como sendo impossível. É nesta criação que conseguimos transformar os impossíveis em possíveis, que conseguimos gerar soluções e não problemas, que nos conseguimos reinventar e não adoecer.
Mais do que controlar a mente, precisamos de aprender a geri-la, a levá-la para a construção de recursos, a aquietá-la quando esta se estiver a esgotar em ruminações e especulações que não trazem qualquer tipo de solução nem saúde. Precisamos de uma mente que pense para além do previsível, do que foi feito até então, e uma mente disponível para se questionar e estruturar. Precisamos mais do que nunca de perceber onde estamos, o que temos e para onde queremos ir, sem limites e sem impossíveis. Se todos acreditássemos em impossíveis não existiriam aviões, telemóveis, carros, computadores, Internet e um sem fim de produtos, construções e ideias. Precisamos de uma mente flexível para questionar o que era até então inquestionável, para parar e redirecionar o caminho numa vida que vai continuar a ser incerta, a ter imprevistos, a ter altos e baixos e outros tantos desafios. De facto, não há nada mais gerador de segurança do que não arriscar. Quem não arrisca não perde, mas também nada muda à sua volta. Quem não ousa fazer diferente jamais será criticado, julgado ou visto como desigual, quem nada faz diferente ou pela diferença também nada perde, e quem não faz diferente nada vai continuar a colher para além do que sempre semeou. E isto não é mau nem bom, é o que é, e cabe a cada um de nós perceber, apenas, como se sente estando na sua vida com aquilo que tem e com aquilo que quer.
Porque viver é um risco imenso, há um certo encanto na sobrevivência porque nela não arriscamos, só nos protegemos. Não criamos riscos porque queremos a segurança, não ousamos fazer diferente para não parecermos ridículos. Há um encanto na sobrevivência porque nos sentimos protegidos e sabemos com o que contar. Basta esperar e ver o que dá, ou melhor, se alguém faz diferente, se alguém avança, se alguém ousa lançar os dados primeiro. Quem não arrisca não cai, ou a probabilidade de cair é muito menor, só que quem não arrisca também não se reinventa, não recria e não recomeça; mantém-se em segurança, vigilância e em sobrevivência. Não temos todos de arriscar da mesma forma nem com a mesma garra e determinação, mas precisamos todos de viver, recomeçar e fazer o que ainda não foi feito. Precisamos de criar alternativas, de criar recursos, de pensar para além do que temos e sentimos ter.
E sim, há beleza nas quedas e a vida tem sempre uma forma muito sua de cuidar de nós, por muito negro que seja o tombo, o panorama, a linha de partida ou a meta. Há uma beleza no arriscar, no recomeçar, no fazer diferente. Há uma beleza intrínseca no erro, no pontapé mal dado ou na bola que passa por cima da trave porque só marca e arrisca ganhar, quem não teme rematar e quem o faz as vezes necessárias para viver como deseja. E o mais giro de tudo isto é descobrir que o maior crescimento não nasceu com o golo marcado, mas com o treino contraído para aprender a marcá-lo. E sim, cada queda, cada falha, cada passe dado sem êxito aparente trouxe um crescimento e uma aprendizagem imensa. E essa, mesmo que ninguém a veja, trouxe um sentido de vida à própria vida.
Diana