Quais as consequências do uso das redes sociais na forma como nos vemos e sentimos?


A consequência do uso das redes sociais, dos mais novos aos mais velhos, tem sido para mim uma fonte de preocupação profissional. Numa sociedade onde cada vez mais a saúde mental está em causa e influenciada também pela forma como são usadas as redes sociais, acredito que é preciso estudar, perceber e esclarecer o que de facto já se sabe, e o que precisamos de fazer face a tudo isto.

Acredito que é preciso perceber quais são as consequências negativas e positivas, o que podemos fazer para minimizar o impacto negativo e potenciar o positivo. Assim sendo, deixo a seguinte reflexão com base em alguns estudos já realizados sobre este assunto.

Sabemos que a construção da pressão sobre a imagem e a aparência têm um peso muito significativo na construção da saúde mental, quer em adolescentes quer adultos (principalmente em mulheres). Também sabemos que a construção da auto-imagem tem três grandes influências - a família, o grupo de amigos e os meios de comunicação - assumindo-se, as redes sociais como uma "fonte moderna" de comunicação , sendo elas que exercem a maior influência e pressão sobre a imagem e a aparência, principalmente em adolescentes. Ter uma aparência magra e musculosa é hoje a imagem mais desejada e o maior preditor de insatisfação corporal.

Mas a influência das redes sociais na saúde mental não se dá só ao nivel da insatisfação corporal mas também nos comportamentos alimentares (alterações significativas nos padrões alimentares nem sempre positivos), na regulação do humor (mais ansiedade, sintomas depressivos e perturbações do sono) e na saúde física (mais sedentarismo, pior postura, maior produção de cortisol, etc), sendo os efeitos claramente negativos. As redes sociais acabam por ter uma influência mais profunda na construção da doença mental do que na saúde.

Estes efeitos são de uma forma mais vasta, uma consequência da constante comparação social que este tipo de plataformas permite (comparação do corpo, relacionamentos e estilo de vida), da necessidade constante de estar online e de se sentir atualizado. Percebe-se que ao longo do uso há mais sintomas depressivos e uma maior insatisfação com a vida de forma global, mas que a maior presença de sintomas depressivos também aumenta a procura destas mesmas plataformas.

O facto das mudanças serem muitas durante a adolescência - físicas (tamanho e peso), sociais (vulnerabilidade à opinião dos outros), cognitivas (maior imaginação e especulação), emocionais (emoções sentidas com mais intensidade) e de identidade (o quem eu sou em comparação com os outros também), tornam os adolescentes mais vulneráveis no uso destas plataformas, mostrando os estudos que as mulheres adultas têm uma tendência idêntica em sentir a mesma vulnerabilidade (comparativamente com os homens).

Sabemos que as redes sociais construídas à volta da imagem estão associadas e potenciam:

  • aumento de sintomas depressivos (alimentado pela comparação social) ao longo do seu uso.
  • padrões de beleza restritos que estão correlacionada com a preocupação mais acentuada com a imagem e com a forma corporal.
  • construção da identidade centrada na imagem e na aparência física de forma quase exclusiva.
  • definição de realidade como resultado das vivências online mais do que as da vida real.
  • alterações significativas de sono pela necessidade constante de atualização e das horas passadas a olhar para o ecrã (mais luz ao fim do dia, menor produção de melatonina).
  • maior exposição à critica e aos escrutínio social.
  • humor autoregulado pelo que se vê, e menos pelo que se vive fora do ecrã.
  • a aparência e as realizações dos outros passam a funcionar como métrica ou padrão a ser seguido.

Sendo a maior parte das imagens online filtradas, editadas e alteradas, a construção da realidade passa a ser pouco real e objectiva*

No entanto, também sabemos que há efeitos positivos, nomeadamente:

  • na variedade de ideais e ideias ,
  • na construção de vários tipos de comunidades,
  • maior conexão a perfis que podem inspirar à subjetividade e à diferença, aumentando o sentido de pertença.
  • espaço de inclusão - há espaço para todos.

As redes sociais vieram para ficar e acredito que mais do que deixar de usar precisamos de aprender e ensinar a navegar nelas, mantendo o foco na construção da saúde mental.

Assim sendo, será necessário:

  • Desenvolver o sentido crítico em relação ao que se vê e manter informações atualizadas sobre o impacto que as mesma vão tendo na saúde e no bem-estar.
  • Refletir sobre o motivo pelo qual seguimos determinados perfis - o que nos trazem, o que aprendemos e como nos fazem sentir.
  • Definir tempo de uso - com a intenção de criar vínculos e interesses pela vida real e pela facilidade com que gastamos tempo de não qualidade nelas.
  • Literacia mediática- compreender as funções da media na construção da aparência e status e aprender a filtrar a informação a que se está exposto.
  • Ensinar adolescentes e adultos a construírem estratégias para lidarem com as comparações - as redes sociais dificilmente são uma fonte de informação objetiva e real, sendo que nelas se mostra o que se quer e não necessariamente o que se é ou tem.
  • Manter uma supervisão aberta e de aceitação (com adolescentes) para com eles seja explorado o que vêem e como isso os faz sentir.

Sabemos que o valor pessoal, ou a ausência dele, não começa nas redes sociais mas pela relação vinculativa que criamos com os adolescentes e connosco (pelo trabalho interior diário), e pela forma como podemos escolher viver nas redes e fora delas. Acredito que precisamos de viver mais entre pessoas, com pessoas e fora dos ecrãs e das redes.

Diana

Algumas das referências utilizadas:

Mathew et al. (2022). A prospective examination of relationships between social media use and body dissatisfaction in a representative sample of adults, Body Image, (Volume 40). Stieger, et.al. (2022). Engagement with social media content results in lower appearance satisfaction: An experience sampling study using a wrist-worn wearable and a physical analogue scale. Roberts, S. R., Maheux, A. J., Hunt, R. A., Ladd, B. A., & Choukas-Bradley, S. (2022). Incorporating social media and muscular ideal internalization into the tripartite influence model of body image. Towards a modern understanding of adolescent girls’ body dissatisfaction. Body image, 41, Common Sense Research Reveals Everything You Need to Know About Teens' Use of Social Media in 2018 Dorothy et all (2022). Desire to Belong Affects Instagram Behavior and Perceived Social Support. PubMed. Jul;22(7):465-471 Kim, J. (2021). A Systematic review of the validity of screening depression through Facebook, Twitter, Instagram, and Snapchat. PubMed.(21)Fev8. Tiggemann, M., Barbato, I. (2020). "You look great!": The effect of viewing appearance-related Instagram comments on women's body image. PubMed:61-66.

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